IFRN concede título de Doutor Honoris Causa ao Cacique Luiz Katu

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) concedeu, na sexta-feira (8), o título de Doutor Honoris Causa ao cacique Luiz Katu. A cerimônia, realizada no auditório do Campus Canguaretama, reuniu docentes, lideranças indígenas, representantes de movimentos sociais, servidores e estudantes para reconhecer a luta e a trajetória de um dos maiores defensores dos povos originários do estado.
A concessão do título honorífico, entregue por instituições de educação a personalidades que se destacam por suas contribuições à sociedade, foi uma proposta do professor Flávio Ferreira, diretor-geral do IFRN Campus Canguaretama. A aprovação foi unânime pelo Conselho Superior (Consup) do Instituto Federal.
Este é o quarto título concedido pela instituição — nas duas primeiras vezes, foram homenageados ex-dirigentes, e na terceira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esta, no entanto, é a primeira vez que o agraciado não é da esfera política tradicional, mas sim parte da comunidade, um marco na história do IFRN.
Durante a cerimônia, o cacique foi homenageado por sua filha, Ladine Soares, estudante de Licenciatura em Educação do Campo no IFRN Campus Canguaretama, que leu a biografia dele no palco. Ao receber o diploma e as vestes talares, Luiz Katu foi aplaudido de pé por todos.
Em seu discurso, ele reafirmou seu compromisso no combate ao racismo institucional e estrutural e destacou a importância do apoio à causa. “Eu quero agradecer imensamente a coragem, o desafio e a ousadia de vocês e do IFRN de estar e de entrar na trincheira. Em um estado que não tem uma terra indígena demarcada, vozes se levantam, vozes gritam, vozes resistem”, completou.
Representando a Fundação de Apoio à Educação e ao Desenvolvimento Tecnológico do Rio Grande do Norte (FUNCERN), esteve presente o assessor de Relações Institucionais, Teotônio Roque, que acompanhou e registrou imagens da ocasião.
IFRN celebra uma conquista histórica
Flávio Ferreira revelou que conhece e acompanha o trabalho de Luiz Katu desde 2005, quando o movimento em defesa dos direitos indígenas surgiu no estado. Segundo o diretor-geral, o reconhecimento da atuação do cacique e professor na esfera educacional é um marco para a instituição. “O IFRN é uma casa de educação capilarizada presente em todas as regiões do estado. Assim, precisa participar e estar presente na territorialidade, compreendendo as necessidades e agindo diante dos problemas educacionais. Essa é a receita de sucesso de um instituto forte que integra uma rede e pertence como conquista ao povo brasileiro”, enfatizou.
Parceiro do IFRN Campus Canguaretama desde a inauguração, Luiz Katu participou do conselho escolar, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), do programa "Saberes Indígenas” e de incontáveis projetos na área.
O reitor do IFRN, José Arnóbio, destacou a importância da concessão do título. “Este título mostra à sociedade a visão do IFRN, o compromisso que a instituição tem com a sociedade, o reconhecimento dessas pessoas que historicamente foram invisibilizadas.” Ele relatou ainda que, durante sua infância, acreditava-se que o Rio Grande do Norte era um dos únicos estados onde não havia povos originários; crença que hoje é comprovadamente falsa.
De acordo com Arnóbio, Luiz Katu contribui não apenas para as comunidades indígenas do estado, mas para as do país como um todo. “O cacique Luiz é uma pessoa com uma história de vida muito marcante, que foi completamente excluída do processo educacional, mas que, com muita luta e determinação, conseguiu trilhar um caminho e mostrar que é possível, mesmo diante das dificuldades, dar visibilidade ao seu povo.”
O reitor finalizou ressaltando que o título não é apenas simbólico, mas de grande significado para a sociedade. “Dar esse título a um representante dos povos originários é desconstruir o preconceito. É o reconhecimento dos desafios superados, de sua história, da luta que ele trava pela demarcação das terras indígenas do Rio Grande do Norte e em defesa do meio ambiente.”
Luiz Katu: Educação como ato de Resistência
José Luiz Soares é natural do território Potiguara Katu, localizado nos municípios de Canguaretama e Goianinha. Liderança de sua comunidade e cacique geral dos povos originários do Rio Grande do Norte, ele é um grande defensor dos direitos Potiguara diante do avanço do agronegócio, do racismo estrutural e do apagamento da identidade indígena.
Nasceu e cresceu em meio à violência do coronelismo e da exploração da cana-de-açúcar, presenciando a devastação de sua floresta. Em sua trajetória, Luiz Katu enfrentou o trabalho precoce, a evasão escolar e o preconceito, chegando a ser reprovado quatro vezes na escola. No entanto, superou os obstáculos em seu caminho e seguiu firme em sua luta, tornando-se porta-voz de seu povo.
Em 2003, criou a Festa da Batata, o evento indígena mais antigo do estado, ressignificando a Festa de Todos os Santos. O evento tem o propósito de conscientizar as pessoas sobre a importância da luta indígena e a existência dos povos originários. Além disso, ele propôs e desenvolveu a trilha ecológica do Vale do Katu, para a defesa da floresta. Hoje, o etnoturismo — turismo pedagógico de base comunitária, iniciado por ele — é referência em todo o Brasil e em outros países.
Luiz Katu ganhou destaque no cenário potiguar em 2005, durante a primeira audiência pública sobre os povos indígenas do estado, na Assembleia Legislativa. Estiveram presentes as comunidades Katu, Mendonça do Amarelão e Caboclos do Assú. Na ocasião, foi entregue um abaixo-assinado em prol do respeito às políticas públicas para os povos originários do Rio Grande do Norte.
Sua atuação é reconhecida nacionalmente por universidades, órgãos públicos e movimentos sociais. Hoje, trabalha também na luta pela demarcação de terras indígenas e na defesa da educação dos povos originários. Em 2008, fundou a Escola Municipal Indígena Alfredo Lima, primeira instituição de ensino indígena bilíngue do estado.
Além disso, Luiz Katu é comunicador digital e utiliza suas redes sociais @luizkatu e @etnokatu para difundir a cultura indígena e denunciar violações de direitos.
Em 2024, ele recebeu o título de Professor Honoris Causa pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) em decorrência de seu trabalho pedagógico para os povos originários. Agora, é concedida ao cacique uma segunda honra: o título de Doutor Honoris Causa pelo IFRN.
Segundo Luiz Katu, o IFRN, desde o início, estabeleceu um diálogo através de ações como o apoio à Escola Indígena, o fornecimento de fardamento, a colaboração com apresentações culturais, o incentivo aos alunos da comunidade, o desenvolvimento de projetos de extensão e as aulas de campo ao território indígena.
O cacique contou que, até a década de 80, não era possível se autoafirmar como indígena no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Então, é assim que se apaga um povo: quando ele não é encontrado pelo censo oficial, ele deixa de existir na historiografia oficial. E os povos originários do Rio Grande do Norte passaram por esse processo tão doloroso”, explicou.
Por fim, reiterou a importância da representatividade para toda a comunidade indígena do estado. “Receber um título de Doutor Honoris Causa é algo que desafia o racismo estrutural, o racismo institucional. Desafia toda uma lógica negacionista que trata, muitas vezes, de tentar invisibilizar a causa, a luta e a existência dos povos indígenas”, finalizou.
Povos Originários no RN
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), o país possui atualmente 445 Terras Indígenas (TI) tradicionalmente ocupadas, abrangendo cerca de 107 milhões de hectares.
Existem ainda 15 TIs demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), outras 261 áreas ocupadas que aguardam a demarcação, 151 em estudo, 6 com restrição de uso para proteção de povos indígenas isolados, 68 identificadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e 68 terras já declaradas pelo Ministério da Justiça à espera de homologação.
Os dados são de dezembro de 2024, mas desde então houve pouco progresso, sobretudo no Rio Grande do Norte, que não possui território demarcado. O censo de 2022 do IBGE revelou que existem 11.725 pessoas indígenas no estado, distribuídas em 5.539 domicílios com pelo menos um morador descendente dos povos originários. Em Natal, o número corresponde a 1.798 pessoas, ficando atrás apenas de João Câmara, que abriga 20,6% da população indígena do estado.
Em janeiro do ano passado, foi firmado um termo de cooperação para a realização do censo dos povos indígenas presentes na capital potiguar, porém, não se teve qualquer atualização sobre o andamento do processo até o momento desta reportagem.